10 de novembro de 2010

O Passaporte.



Passando de ônibus pelas ruas do centro de São Paulo, podemos observar atentamente a desigualdade, os maus tratos de pessoas sem identidade, sem retrato, sem futuro. Na memória desses condenados não existe governo, nem sociedade, apenas a friagem, nos braços das ruas eles dormem , fracos e sem vida.
O veículo para, o sinal fecha.
Mas o olho curioso de dentro de um ônibus, enxerga uma flor em meio as prédios abandonados tombados como patrimônio histórico. É uma flor em meio a desgraça, em meio a diferença. O olho atento vê uma criança sonhando sentada em um caixote de madeira, em suas mãozinhas um passaporte para uma vida melhor, que na verdade, apenas o distrai da confusão e dos barulhos em volta. Um passaporte que o tira da vontade de usar a droga, que o tira da vontade de roubar para suprir sua fome deixada pra depois.
Há se todos os esquecidos e condenados tivessem um passaporte igual a daquele menino. Há se eles compreendessem que através do pedaço de papel na mão do memino sujo à vida. Mas eles encaram o passaporte como o nada, pois o passaporte não mata a fome, não tira a sede, não alimenta o vício como a droga e se perdem rumo a morte.
Mesmo assim o mundo para ao redor do menino, naquele exato momento enquanto a cidade não descansa, o menino se desliga por minutos, mesmo com a barriga roncando ele não larga seu passaporte, ele não larga um precioso gibi da Turma da Mônica.
O olho curioso não sabe o nome da criança que se veste de sujeira, não sabe onde estão seus pais, não sabe se ele teve um café da manhã e nem que horas será sua janta, mas de uma coisa o olho sabe que o passaporte – o gibi – é o que liberta por minutos a criança de sua situação desumana.
Que o faz feliz por segundos, e mesmo sem saber ler, ele sorrir com a historinha, com sua felicidade momentânea.
O veículo se movimenta, o farol abre.
Nunca mais o olho verá a criança com seu passaporte.

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