A sensação era a mesma da invasão da agulha enquanto tirava
sangue, as enfermeiras perfuravam certeiras, a diferença é que era
permissivo. Os outros não se importavam tanto antes de invadir-lhe, eram
incisivos mesmo - não lhe permitiam que dissesse não. Era sempre sim,
sim, sim, SIM. Quase que em obrigação era pressuposto que ele havia
aceitado sua condição, condição desconhecida dele, mas que os outros
sempre reconheciam.
Pois que sua inocência era mentira: 'ninguém pode ser deste
modo!', pois que ele era ninguém, sempre fora, ainda que não lhe
permitissem. Era tão belo como um não em uma sala positiva, ainda
contrariando o poeta e a ordem, como sempre, na rebeldia que não era
heróica, era vilã. Se ao menos fosse vilão por inteiro, ainda existiria
certa cota de perdão, mas também não lhe era permitido - ' Imagine só?!
Idiotinha, mal?! Pudera!'. Acabava sendo nada, como sempre.
Se quer saber, a culpa também era dele. Não se bastava, nunca.
Ainda que obtivesse a maior sorte do mundo, do mundo, 'Oh, mas ainda
existiria o azar!' - então era incompleto. Os que não se bastam se
cavam, se corroem. 'Ao menos se fosse como os outros!' - sempre se
dizia, sempre lhe diziam. Estes outros intermináveis. Lhe restava certa
confiança no futuro, era bem verdade, confiança de que um dia iria acontecer, sim, acontecer.
Não eram poucas as vezes em que vira isso, as pessoas 'acontecem' o
tempo todo... Mas ainda era parte do 'não se bastar', e talvez se
corroesse novamente caso acontecesse de um dia acontecer.
Tomara Deus, algum dia os 'meio-termo' sejam permitidos, os
que não escolhem, os que não germinam, os que 'caem pela metade'. Seria
um anjo se pudesse, o anjo era o mínimo, era a essência. Essência não se
corrói, então seria completo, pleno. Seria um anjo se pudesse.
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