Isso ela já tinha pensado antes. Que
o mundo era um mistério. Um enigma. E
que esse enigma tinha algo a ver com ela mesma. Mas agora – agora era mais do
que apenas um pensamento. Agora era uma descoberta tão arrebatadora, que ela
podia jurar que era isso.
Uma vaga sensação de simpatia por
tudo o que existia também já lhe havia acometido antes. Algumas vezes era
simplesmente o vinho a fonte desse sentimento. Mas ela nunca conseguiria se
libertar totalmente da impressão de que era um ser arbitrário.
[...]
Eu sou tudo o que existe. Sou o que apenas em
momentos extremamente raros pode ser vivenciado como totalidade. Como uma
pessoa.
Nesse momento, ali sentada, ela
parecia personificar toda a realidade.
Acima das árvores, estrelas
brilham como pontudos alfinetes espetados na noite. Sua luz se estende como
fios esticados entre o céu e a terra. Dessa forma, parecem sustentar o
universo.
[...]
Alguma coisa parece erguê-la do
toco onde ela está sentada. Ela não se levanta por si mesma, mas sente seu
corpo se erguer. De repente, algum impulso a eleva para o alto. Uma pressão
debaixo dela.
Ela anda alguns passos. Mas não
sente o próprio peso. Pois ela não é só ela mesma. É o solo também. E o solo é
como uma perna dormente.
Ela tem a sensação ode caminhar
sobre a água. Abaixo dela, o mar, e por todos os lados, o mar. Mas esse mar que
ela sente sob seus pés, essa profundidade que a sustenta – é um mar, uma
profundidade em si mesma.
Uma parte de seu eu parece sair
de si – e ser absorvido por algo maior. Assim de alguma maneira, ela
desaparece, não está mais aqui. Parece perder a sim mesma, como uma gota no
mar, e não apenas uma gota.
Jenny não é mais. E ao mesmo
tempo ela é o todo. Como uma gota no mar, e não apenas uma gota.
Trecho do conto O Diagnóstico/ Livro: O Pássaro Raro/ Autor: Jostein Gaarder - Ed. Cia das Letras, 2003.
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