24 de outubro de 2012

Mistério do existir






















Isso ela já tinha pensado antes. Que o mundo era um mistério.  Um enigma. E que esse enigma tinha algo a ver com ela mesma. Mas agora – agora era mais do que apenas um pensamento. Agora era uma descoberta tão arrebatadora, que ela podia jurar que era isso.
Uma vaga sensação de simpatia por tudo o que existia também já lhe havia acometido antes. Algumas vezes era simplesmente o vinho a fonte desse sentimento. Mas ela nunca conseguiria se libertar totalmente da impressão de que era um ser arbitrário.
[...]
 Eu sou tudo o que existe. Sou o que apenas em momentos extremamente raros pode ser vivenciado como totalidade. Como uma pessoa.
Nesse momento, ali sentada, ela parecia personificar toda a realidade.
Acima das árvores, estrelas brilham como pontudos alfinetes espetados na noite. Sua luz se estende como fios esticados entre o céu e a terra. Dessa forma, parecem sustentar o universo.
[...]
Alguma coisa parece erguê-la do toco onde ela está sentada. Ela não se levanta por si mesma, mas sente seu corpo se erguer. De repente, algum impulso a eleva para o alto. Uma pressão debaixo dela.
Ela anda alguns passos. Mas não sente o próprio peso. Pois ela não é só ela mesma. É o solo também. E o solo é como uma perna dormente.
Ela tem a sensação ode caminhar sobre a água. Abaixo dela, o mar, e por todos os lados, o mar. Mas esse mar que ela sente sob seus pés, essa profundidade que a sustenta – é um mar, uma profundidade em si mesma.
Uma parte de seu eu parece sair de si – e ser absorvido por algo maior. Assim de alguma maneira, ela desaparece, não está mais aqui. Parece perder a sim mesma, como uma gota no mar, e não apenas uma gota.
Jenny não é mais. E ao mesmo tempo ela é o todo. Como uma gota no mar, e não apenas uma gota.



Trecho do conto O Diagnóstico/ Livro: O Pássaro Raro/ Autor: Jostein Gaarder - Ed. Cia das Letras, 2003.

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